Dormir e acordar com as janelas abertas, transitar pelo apartamento sem se preocupar com o vizinho espiando a rotina sempre foi realidade para os moradores do Plano Piloto.
Com o passar do tempo, no entanto, esse privilégio ficou restrito a quem mora nas asas Norte e Sul, e só nos prédios mais antigos. Para os moradores do Sudoeste, Águas Claras, Taguatinga e várias outras cidades do Distrito Federal, o plano urbanístico de Lúcio Costa, que previa uma distância mínima entre os blocos para preservar a privacidade, ficou só no papel. E não é só esse o problema. O material utilizado nas novas construções não consegue evitar que se ouça o vizinho caminhar no apartamento de cima ou mesmo quando um casal está discutindo a relação.
A realidade de grandes metrópoles, de abrir as janelas e “dar de cara” com o vizinho é mais comum do que se pode imaginar no Distrito Federal.
A advogada Adriana Burgos, 35 anos, mudou-se para Águas Clara há nove anos. Quando adquiriu o apartamento, no oitavo andar de um condomínio, não imaginava que teria tanta dor de cabeça. “Quando vim para cá, o meu prédio era o único, eu tinha vista para o parque, não me preocupava se tinha alguém me observando ou não. Agora, construiram prédios cercando todos os lados”, conta. Durante o dia, quando está trabalhando, esquece o tormento, mas à noite, basta acender a luz para lembrar que os vizinhos podem estar a observando. “O problema é exatamente quando acendemos a luz. Que aí ficamos totalmente à mercê do vizinho. Tenho umas três janelas que dão direto para a minha. É entrar no quarto e fechar janela e persiana, independentemente do calor”, diz.
Outro bairro nobre de Brasília que não segue o padrão do Plano Piloto e que incomoda os moradores pela invasão de privacidade é o Sudoeste. A administradora de empresas Helane Melo, de 34 anos, assustou-se quando chegou na capital federal, foi morar na quadra 305 do Sudoeste e se deparou com os prédios muitos próximos. “Eu morava em Natal, onde não existe isso. Me incomodei no começo, mas com o tempo você acaba se acostumando”, conta. Para preservar um pouco a privacidade, ela colocou cortinas em todos os cômodos, inclusive na cozinha. “Foi a maneira que encontrei de ter nossa rotina mais reservada. Não acredito que tenham pessoas que reservem seu tempo para observar os vizinhos, mas achei melhor assim.”
O ordenamento jurídico, ao regular a matéria, atribui ao proprietário o direito de embargar construção do prédio em que, a menos de metro e meio do seu, abra janela ou faca eirado, terraço, ou varanda. O escopo desta limitação é evitar que o imóvel vizinho seja devassado, ensejando perda da privacidade de seus ocupantes. Porém, cada cidade tem sua regras.
PLANO DIRETOR VARIADO
No Distrito Federal, fora a área tombada, cada região administrativa tem seu próprio gabarito, que determina critérios como a altura dos prédios e a distância entre os edifícios.
Em seu projeto original para Brasília, Lúcio Costa fez questão de dar a devida privacidade ao interiores dos apartamentos. Para o especialista do Núcleo de Estudos Urbanos Regionais (Neure) da Universidade de Brasília (UnB), Aldo Paviani, vários aspectos levaram à aglomeração de prédios no Distrito Federal, algo que não estava previsto no projeto inicial. Entre eles, a necessidade de atender o crescimento rápido das pessoas que se mudavam para a capital e não tinham onde morar. “Uma das coisas que mais chateava Lúcio Costa, por exemplo, era a criação de Taguatinga antes mesmo de se terminar o Plano Piloto. Isso antes da década de 60. Mas, com o tempo, foi se repetindo essa expansão rápida e acabou-se criando esquisitices como o Sudoeste e Águas Claras, por exemplo, com características que pouco lembram Brasília em si”, diz. Paviani explica que outras alternativas poderiam ter sido criadas para assentar as pessoas e não se criar satélites como foi feito. “Poderiam ter pensado em agrovilas, por exemplo.” Águas Claras, de acordo com Paviani, é um ótimo exemplo do que a especulação imobiliária e a uma outra questão de privacidade que tem tirado o sono e sossego dos moradores dos novos edifícios residenciais é o barulho dos vizinhos.
Com paredes cada vez mais finas, incapazes de isolar, conviver com mudança de móveis de lugar, mulheres usando sapatos de salto alto dentro de casa, televisão, entre outras coisas, é sinônimo de conflito.
DESESPERO
Paulo César Hercilano, 47 anos, é comissário de voo. Morando há 11 anos em um prédio de Águas Claras, já chegou ao cúmulo do desespero com o barulho. “Moravam duas moças no andar de cima do meu. Elas faziam barulho o tempo todo, compraram uma mesa de sinuca e só jogavam após as 23h. Lembrar do som da bola de sinuca quando caia no chão é desesperador”, revela. Depois de pedir várias vezes colaboração e menos barulho das vizinhas, resolveu o problema devolvendo o barulho. “Fui ficando louco com o barulho, e não resisti. Durante duas noites inteiras eu subi na escada de casa, e martelei o teto sem parar, entre 21h e 6h, impedindo as duas de dormirem. Era elas batendo salto no chão, e eu martelando o teto. Foi ficando insuportável e elas acabaram indo embora.”
As lembranças do período que foram vizinhas, no entanto, Paulo tem até hoje. Antes de se mudarem jogaram um cofre no chão e ele ainda vê as rachaduras na laje. A advogada Adriana, que mora em Águas Claras, também sofre com construção desenfreada de edifícios residenciais têm criado. “A ideia inicial é que a cidade fosse para atender o setor de comércio.Seria uma cidade que teria as gráficas do Setor de Indústrias Gráficas (SIG), estações de rádio e TV, comércios, bares, etc. Mas um engavetamento do processo acabou mudando o perfil da cidade, que hoje tem prédios muito maiores que o próprio Congresso Nacional, algo que tanto se brigou para que não existisse”, enfatiza. Em todos os blocos a cena se repete.
Prédios novos, mas com janelas cobertas por cortinas ou sempre fechadas. A adaptação, no entanto, trouxe surpresas para a administradora Helane Melo, que mora no Sudoeste. Dez anos depois de chegar na capital federal, ela conta que a falta de privacidade acabou trazendo para a família uma coincidência positiva. “Eu tive um problema com uma funcionária que cuidava do meu filho, que só descobri pela proximidade dos vizinhos. Meu filho chorava muito, e como eu trabalhava demais fora, se a vizinha da frente não tivesse visto pela janela o jeito que a funcionária carregava ele e a vizinha do lado não tivesse ouvido muito o choro, talvez demorasse para descobrir o problema”, diz.
Vizinho de bloco de Helane, o médico Carlos Wagner, 59 anos, também acabou se acostumando com a falta de privacidade que a proximidade das janelas trouxe. “A gente se adapta, não tem outro jeito. Se observar, as janelas estão sempre fechadas, todo mundo coloca cortina, mas você acaba escutando o vizinho, e, principalmente a noite, quando se acendem as luzes, se quiser, conhece de perto a vida do outro que mora em frente”, relata.
RETROCESSO
A questão da privacidade nos novos prédios, para Paviani, é um retrocesso que tem relação com a privatização das áreas públicas da capital. “A privatização acabou facilitando a vida para o setor imobiliário, que consegue sempre, de uma forma ou outra, escapar da fiscalização e construir esses edifícios grudados uns nos outros.” Segundo ele, esse espaço vazio, ou bucólico, como Lúcio Costa chamava, é imprescindível para que Brasília não perca sua característica. A professora de Arquitetura e Urbanismo do Centro Universitário de Brasília (UniCEUB), Emília Stenzel, concorda com o colega e enxerga o problema da ausência de privacidade como uma questão maior do mundo moderno. “Chegamos a um ponto, que lentamente o poder público foi cedendo a pressão do interesse imobiliário e negligênciando a importância do indivíduo no espaço urbano. É necessidade da modernidade, que o indivíduo tenha direito a privacidade”, afirma.
Para ela, a liberação pelos por órgãos legislativos de cada vez mais gabarito para as construções levou a um adensamento sem preocupação com a esfera privada, que prejudica a necessidade humana de saber que se tem um espaço onde se é livre, longe de qualquer interferência ou observação externa. “Com essa nova realidade da construção, não sabemos mais o que fazer. Tentamos respeitar ao máximo o vizinho de baixo, para ver se temos a mesma sorte, mas é raro. Sei exatamente quando minha vizinha chega do trabalho e acorda pela manhã. A impressão é de que ela vive de salto alto e só troca as coisas de lugar na madrugada.”
JUSTIÇA
Às vezes, o caso vai parar na Justiça.
Uma moradora de apartamento foi condenada pelo Tribunal de Justiça do DF por perturbar o sossego de um casal vizinho durante a madrugada. A ré teve de pagar R$ 5 mil por dano moral. De acordo com os julgadores, comprovado que os autores do pedido de indenização se viram compelidos a mudar para outro imóvel por causa da perturbação frequente da ré, ao longo das noites, correta a sentença que a condenou ao pagamento de danos morais.
Para Luiz Alberto Navarro, engenheiro e consultor em acústica, ainda não existe uma preocupação efetiva com isolamento de ruídos nos projetos imobiliários. “A Justiça tem acionado às construtoras e incorporadoras por danos causados pela falta de isolamento adequado, embora não haja legislação específica no Brasil”, afirma Navarro. “Antigamente era preciso uma laje de 30 cm para um sobrado. Hoje com uma de 6 cm, já se consegue erguer um prédio em cima dela”, diz.
Fonte: http://www.linearclipping.com.br/PDFs/201021716351
A falta de privacidade pode ser percebida em diferentes ambientes tanto em residências quanto em escritórios. Do mesmo modo, a necessidade de barrar a visibilidade pode ser total ou parcial. A opção pelas películas para vidros é uma alternativa inteligente e decorativa que soluciona o problema da falta de privacidade e acrescenta um elemento decorativo elegante aos ambientes.